HOME

 

Pace Actions
Contact Parliamentarians
Calendar

 EVENTS

Final conference
Vienna / 30 April 2008 

Regional Seminars
Parliamentary Hearings
Co-ordination meeting 4-5 June 2007

Launching conference Madrid

Co-ordination meeting 19 October 2006
Consultation meeting with NGOs
MEDIA
News Archives
Newsletters
Press Review
Speeches
Interviews
Photo Exhibition
 PUBLICATIONS
Handbook
Leaflet
References Text

Intervenção do Deputado Mendes Bota

Assembleia da República
Comissão Permanente

27/07/2006

A violência que se abate todos os dias sobre as mulheres, não conhece fronteiras entre ricos e pobres, entre campos e cidades, entre agnósticos e crentes religiosos. Esta violência, que faz das páginas dos jornais uma rotina sucessiva de agressões físicas, sexuais e psicológicas, de assassínios tentados e consumados, é um dos maiores obstáculos a uma efectiva igualdade entre homens e mulheres.

É no seio das famílias, que a violência sucede mais frequentemente, e onde as mulheres estão em maior risco.

Mesmo na Europa, mesmo em Portugal, sobretudo em algumas comunidades migrantes, ainda se praticam violências próprias de tradições ultrapassadas, como o casamento forçado, os crimes de honra ou a mutilação genital.

A violência doméstica, é um cancro na sociedade portuguesa, que urge combater. São muitos anos de humilhação sobre as mulheres, que deixam nódoas negras no exterior da pele, mas deixam também cicatrizes profundas do lado de dentro da alma, daquelas que não saram mais, daquelas que não fecham, daquelas que não se apagam nem se esquecem.

O Roteiro para a Inclusão, do qual o Presidente da República há duas semanas atrás dedicou dois dias às questões do apoio às crianças em risco e às mulheres vítimas de violência doméstica, foi impressionante pela crueza da denúncia, teve cobertura mediática, mas não pode cair no esquecimento.

No dia seguinte, os telejornais reabriram com o bombardear de Beirute, o recomeço dos treinos da bola e a crise política do momento, entenda-se, a repetição de exames escolares. A que se seguirá um outro bombardeio noutro lado qualquer, a mesma bola a saltitar-nos à frente, e um outro sarilho político que cada qual comporá ao seu jeito.

Entretanto, milhares e milhares de mulheres continuarão a sofrer, e com elas, as suas crianças, essas testemunhas silenciosas que jamais irão esquecer.

É nosso dever agir! É nosso dever não calar! E nós, os homens, temos um papel fundamental a desempenhar na solução de um problema que não se pode confinar num círculo fechado de mulheres activistas, nem em comissões especializadas onde é raro ver um homem.

Em 2005, foram apresentadas 14.371 queixas na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. 89% levavam o selo da violência doméstica, tinham assinatura masculina, e destes agressores, 50% têm problemas de consumo excessivo de álcool. O alcoolismo e a violência doméstica andam de par em par.

A responsável da Estrutura de Missão Contra a Violência Doméstica, sustentada em inquéritos oficiais, denunciou que uma em cada quatro mulheres foi ou é vítima de violência doméstica. Estamos a falar de mais de um milhão de portuguesas. É muita gente. É um gigantesco atentado dos mais elementares direitos humanos, do direito à integridade física e psíquica, do direito à dignidade.

Portugal é um estranho país com fama de pacífico, que escapou à Segunda Guerra Mundial, que fez a guerra, lá longe, em África, mas que tem duas guerras civis em curso, cá dentro de portas. Uma, é travada no asfalto, com o trágico cortejo de acidentes, mortos e feridos, que nenhum código da estrada, nenhuma multa dolorosa, nem a tolerância zero parecem capazes de fazer parar.

Mas em 2005, tombaram numa outra guerra civil que dilacera quase silenciosamente o país, 29 mulheres e três crianças, vítimas de violência doméstica. Nesse mesmo ano, foram apresentadas nas esquadras policiais 19.000 queixas de violência doméstica. A pergunta que se impõe é: e quantas situações ficaram no silêncio, pelo medo, pelo hábito, pelo comodismo de vizinhos, de amigos ou familiares?

Temos 33 instituições de acolhimento de mulheres e respectivos filhos, vítimas da violência doméstica. 900 delas estão lá refugiadas. Mais um exemplo deste país de justiça tardia e invertida. As mulheres são duplamente penalizadas. São elas quem sai de casa. Os agressores ficam lá dentro.

Concorde-se com o Presidente da República: “já é tempo de quebrar a barreira de silêncio que tem envolvido os crimes praticados no seio da família”!

É verdade! Somos cúmplices pela indiferença, quando passamos pela vizinha do apartamento do lado, e fingimos ignorar os olhos negros da agressão doméstica. Ou fingimos acreditar nas desculpas humilhantes e esfarrapadas, do toque no armário, ou do tombo nas escadas. Para voltarmos a ignorar, ou a fingir acreditar, no tombo número dois, no tombo número três, e aí pelo hábito fora.

Sem exercermos o nosso dever de cidadania, de denunciar a situação às autoridades competentes, assim consentimos no espoliar dos anos de vida, da saúde e da dignidade a que toda a mulher tem direito.

Vamos mais longe que o Presidente: mais vergonhosa do que “a figura que fazemos perante a Europa”, é a figura que fazemos perante nós próprios, no que significa de demissão, de insensibilidade, de deixa andar.

Concorde-se de novo com o Presidente: “Para além dos órgãos de soberania, é preciso mobilizar a sociedade civil”!

Mobilizemos a sociedade civil, pois! Mas comecemos por este órgão de soberania que é a própria Assembleia da República.

Está em preparação a Campanha do Conselho da Europa de Combate à Violência Contra as Mulheres, Incluindo a Violência Doméstica, que terá o seu lançamento em Estrasburgo, a 25 de Novembro do corrente ano, precisamente o Dia pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, a que se seguirão os 16 Dias de Activismo contra a Violência de Género.

Esta campanha terminará em Março de 2008, e pretende envolver governos e parlamentos dos estados membros do Conselho da Europa e seus associados, autoridades regionais e locais, organizações não governamentais, entre muitas outras forças vivas da sociedade europeia, e tem como lema: “Livres e seguras: um direito de todas as mulheres”.

Há quatro mensagens principais, que se pretendem ouvidas com esta campanha:

    1- O combate à violência doméstica exige uma acção pública conjunta;
    2- A violência doméstica é uma violação dos Direitos Humanos
    3- A violência doméstica provoca sérios danos às mulheres bem como a toda a sociedade, incluindo as gerações futuras
    4- A violência doméstica exige uma participação activa dos homens no combate à violência contra as mulheres, e é precisamente esse o sentido desta minha intervenção

Na sua sessão de Junho passado, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovou uma resolução na qual se associou a esta campanha conferindo-lhe uma dimensão parlamentar, através de uma iniciativa chamada “Parlamentos unidos no combate à violência doméstica contra as mulheres”.

Com esta iniciativa, pretende-se que todos os parlamentos nacionais dos estados membros do Conselho da Europa participem activamente na campanha contra a violência doméstica sobre as mulheres.

De nós se espera que sejamos capazes de organizar um dia parlamentar do combate contra a violência doméstica, a 24 de Novembro próximo, véspera do lançamento da campanha europeia em Estrasburgo, adoptando na ocasião uma declaração solene a este propósito.

Espera-se de nós uma participação individual e colectiva, a organização de debates parlamentares, colaborando com a estrutura de missão governamental e com as ONGs, ou adoptando decisões de âmbito parlamentar que contribuam financeira, judicial ou legislativamente para este combate, ajudando as vítimas e sancionando os agressores.

Peço desculpa se, neste encerrar da sessão legislativa, não falei de exames escolares, de reformas da função pública, de execução orçamental, de crescimento económico ou de taxas de desemprego. Falei de um drama transversal da sociedade portuguesa, que afecta milhões de portugueses, que não tem cor nem tem partido. É um poder patriarcal congénito, contra o qual, quero acreditar, todos seremos oposição.

Terminarei, repetindo as palavras que deixei a 28 de Junho passado, no plenário de Estrasburgo:

“Cada qual de nós, cidadãos do mundo, será enfermeiro, médico, psicólogo, informador ou polícia, em matéria de violência doméstica. Homens e mulheres, juntos, poderemos vencer. Por um mundo de paz, não apenas para silenciar os canhões, mas sobretudo pela pacificação das nossas consciências.”